quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

HOSTILIDADES CONTRA AS COMUNIDADES ZAPATISTAS.

Luís Hernández Navarro. La Jornada, 10/02/2009.

Em Chiapas, a hostilidade contra as comunidades zapatistas segue um rumo bem preciso. Como se estivessem numa rodovia cheias de sobe e desce, grupos camponeses ligados ao governo estadual se alternam em várias regiões para procurar desgastar a resistência indígena. De norte a sul, de leste a oeste dos territórios rebeldes, um exército de siglas que falam em nome dos camponeses provocam regular e sistematicamente as bases de apoio que se recusam terminantemente a manter relações com o governo.

Não há trégua na provocação. Trata-se de não dar sossego àqueles que têm se atrevido a construir sua autonomia sem pedir permissão. Um dia ocupam suas terras, em outro roubam seu café ou seu gado, em outro ainda rompem cercas, no seguinte destroem pequenas hortas nas quais cresce o café aromático. Não perdem o momento oportuno para tecerem emboscadas contra os rebeldes, para brandirem o facão ou atirarem com as carabinas.

Um manto de impunidade protege os agressores, a lei não é para eles. Os enfrentamentos de camponeses contra camponeses e de indígenas contra indígenas têm sido prática comum do poder. Eles são a ferramenta para transformá-la em realidade. Por seus serviços cobram propinas extraídas do orçamento dos recursos destinados ao combate da pobreza e ao desenvolvimento agropecuário e, quando tem mais sorte, ocupam cargos públicos.

Durante os anos posteriores ao levante armado, a maioria das organizações mercenárias pertencia às fileiras do Partido Revolucionário Institucional (PRI). Nômades da política, desde o ano 2000, têm mudado de domicílio para a sede do Partido da Revolução Democrática (PRD). O sol asteca em Chiapas [o PRD] não é só o meio para realizar a fraude contra os seus e ungir como dirigente Jesús Ortega, como também é esconderijo de paramilitares.

Um dos últimos episódios da guerra que não diz o seu nome contra os zapatistas corre por conta da Organização Regional dos Cafeicultores de Ocosingo (ORCAO). Enquanto o EZLN celebrava em San Cristóbal de las Casas o Festival da Digna Raiva, integrantes desta organização tentaram tomar de um grupo de indígenas zapatistas um terreno de 500 hectares localizado em Bosque Bonito, no município autônomo Che Guevara.

Sua aposta foi alta. Se o que se queria fazer era deslegitimar os zapatistas, a representação teatral não poderia ter ocorrido em melhor momento. Numa reunião internacional de alto nível, perante centenas de convidados de vários países, com os refletores dos meios de comunicação sobre eles, a organização dos cafeicultores se apresentou como vítima, e “exibiu” os rebeldes como uma força “questionada” por um grupo de indígenas. A provocação não foi uma causalidade, nem um fato que “saiu do controle”. Foi algo programado.

A ORCAO não foi sempre assim. Durante vários anos manteve uma estreita relação com o zapatismo. Contudo, rompeu este vínculo entre 1997 e 1999, e sua direção começou então a disputar a base social rebelde com ajudas governamentais e cargos de representação popular de seus dirigentes. Com a chegada ao governo estadual de Pablo Salazar, a ruptura se transformou em conflito crescente. Em 2002, as agressões da organização de cafeicultores contra as bases zapatistas se identificaram de forma dramática.

A ORCAO se formou em 1988, com 12 comunidades de Sibacjá, no município de Ocosingo. Pouco tempo depois, se uniram a ela outros povoados até somar quase 90. Suas reivindicações originais consistiam tanto na busca de melhores preços para o café (que, em 1989, havia caído dramaticamente) como na solução da questão agrária. Em 1992, no contexto da comemoração dos 500 anos de resistência indígena, negra e popular, reivindicou a autodeterminação indígena, se opôs à reforma do artigo 27 da constituição e exigiu liberdade, justiça e democracia.

A ORCAO integra a União Nacional de Organizações Regionais Camponesas Autônomas (UNORCA) em Chiapas. Como tem acontecido a quase todas as organizações camponesas do Estado, nacionais e locais, que integram a UNORCA, sofrem um processo inarrestável de decomposição, dispersão e divisão internas. A ORCAO dirige a UNORCA no Estado. Juan Vazquez, um de seus principais líderes, é representante para a reconciliação do governo de Juan Sabines. A organização mantém vínculos estreitos com esta administração. A maioria de seus líderes integra o PRD.

Em dezembro de 2007, o EZLN pôs em andamento uma reforma agrária a partir de baixo, com base na Lei Agrária Zapatista. A medida respondia, em parte, à decisão governamental de reconhecer direitos sobre a terra ocupada pelos rebeldes a outros grupos camponeses. Com isso, a administração pública federal e estadual semearam a semente da discórdia entre os pobres. No dia 15 de maio de 2008, os zapatistas avisaram a ORCAO que delimitariam as terras recuperadas em 1994 para quantificá-las em hectares e distribuí-las. A resposta da organização de cafeicultores não se fez esperar: arrendou e vendeu suas terras, invadiu terrenos de bases zapatistas, roubou e feriu animais de seus adversários e agrediu violentamente comunidades em rebeldia.

Os rebeldes não são a única associação a ter graves conflitos com a ORCAO. A Organização Camponesa Emiliano Zapata (OCEZ), que nada tem a ver com o EZLN, reclamou publicamente a Juan Sabines de que “vários funcionários do governo que você encabeça têm semeado abusos, mutretas, descumprimento de acordos e constantes provocações pelo hoje ex-prefeito de Ocosingo José Pérez Gómez e o grupo paramilitar incrustado na ORCAO que ele mesmo dirige, os quais pretendem cometer a vergonhosa injustiça de expropriar de seus legítimos direitos ejidais 10 indígenas tzeltales, que são companheiros nossos da OCEZ-FNLS”.

O que aconteceu em Bosque Bonito não foi um enfrentamento, mas sim uma agressão da ORCAO contra os zapatistas, uma provocação propriamente dita que não transbordou suas proporções graças à prudência rebelde.

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